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quarta-feira, 26 de março de 2008

No Bob's

Estava eu no Bob's Burguers (uma cadeia fast-food de hambúrgueres) a comer o meu hambúrguerzinho quando olho para o lado e vejo um pai a tirar uma foto ao filho de 7 anos (mais ou menos) em frente ao balcão de atendimento.
E pensei para comigo: -Estes angolanos pá! Ou é fotos de casamento no Belas Shopping ou visitas de estudo ao Bob's.
Mas lá continuei a comer o meu trio (menu: batata, hambúrguer e bebida), quando sou interrompido.
-Pode tirar uma fotografia? (diz o Sr. a apontar para o filho)
Levanto-me prontamente e digo:
-Sim claro, juntem-se um pouco mais.
Mas sou interrompido:
-Primeiro tire você com o meu filho.
Eu sorri e disse que sim, coloquei a criança ao meu lado e meti o meu sorriso Pepsodent. Depois de duas fotos tiradas com um miúdo que eu não conheço de lado nenhum, o pai senta-se no meu lugar e é a minha vez de ser fotógrafo. Tirei duas também a pedido do pai, com uma máquina de rolo, agradeceu-me e foi-se embora para continuar a sessão fotográfica mais a criança, com os posters da cadeia de fast-food como cenário.
Fiquei a pensar neste encontro. Para já, acho que eles não compraram nada. Ainda pensei em pagar um menu ao puto, mas fiquei na dúvida. Pode parecer assim um pouco de discriminação mas eles até estavam bem vestidos, limpinhos e com roupas em bom estado. O pai podia levar essa minha atitude a mal.
Depois ainda pensei que o filho tivesse pedido ao pai, para tirar uma foto com o branco mais bonito dali. :) :)
Este encontro fez-me alguma confusão pois não sei qual foi o raciocínio do pai:
-Hoje vou dar um passeio com o meu candengue (filho pequeno). Já sei, ché vou no Bob!
Ou então, e quando penso nisto fico triste, o pai chegou da província com o filho e acharam aquilo diferente e foram lá passear. Como o recinto tem uma zona para as crianças brincarem, o miúdo ficou todo entusiasmado e o pai fez-lhe a vontade. Ir ali custou dinheiro em táxis e combustível, e já não houve para o hambúrguer, mas da criança eu não ouvi um pio. Nem choro do estilo "pai quero aquilo", nem nada, o que dá uma pequena lição aos putos obesos e sebosos que encontramos pelos Mcdonalds de Portugal a fora.
Disse que fiquei triste, porque não me custava nada ter pago um menu à criança, pelo menos, se eu soubesse que eles não tinham dinheiro e queriam comer.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Responsabilidade e segurança. Cada um tem a que merece

Meus caros

Para quem está interessado fiz o controlo da Malária e deu negativo. Estou livre da maleita.

Bom, mas este assunto está completamente ultrapassado.Passemos a outro tópico.

Estar em Angola no início estava a ser complicado, para além de tudo não estávamos a fazer nada no trabalho. Olhávamos as paredes e contávamos os mosquitos...Era chato. Agora, nem tempo temos para respirar. Os jornais aqui dão trabalho (enfim, dão em toda a parte do globo). Temos de ver tudo e controlar tudo, não é fácil porque as coisas dependem de nós. A responsabilidade é acrescida. Mas será isso bom?

Quando era pequena refilava porque os meus pais mandavam em mim e eu não podia ter as minhas próprias decisões. Agora tenho tanta liberdade de escolha, onde a responsabilidade vem acrescida, que não sei se gosto.

No entanto, levo na cabeça por chegar tarde a casa. Eu explico: Não posso andar sozinha de carro à noite em Angola e como eu sou louca ando. Toda a gente me diz "tás maluca ou quê? Aqui não é Lisboa rapariga", por isso agora quando chega às 22h alguém tem de me acompanhar.... Enfim, uma pessoa em Portugal já vive sozinha, já tem carro e não dá satisfações e aqui toda a gente te vigia. Compreendo que é para o meu bem, mas bolas....

Tal como dizia um amigo meu daqui, "pensa que estás na cova da moura, por isso não podes andar por aí à solta sozinha". "Bolas", digo eu, "cova da moura é que não".

Para ser sincera Angola tem os seus perigos, mas calma... Durante o dia ando à vontade e se tiver no centro da cidade à noite também posso andar. Pessoal lembrem-se que o país esteve em guerra, as coisas vão aos poucos. A segurança ainda não é perfeita, mas está muito melhor.

Pergunto-vos eu, Portugal é seguro?

segunda-feira, 10 de março de 2008

Estou assim

Estar longe de casa, das pessoas que amo e do meu quotidiano, tem-me feito crescer enquanto pessoa. Agora, mais do que que nunca, acredito que nós contamos connosco para sermos tudo o que nos seja possível ser na vida. Tudo bem, há factores, como a sorte, que podem condicionar esse percurso, mas já que as oportunidades podem, ou não, aparecer, agárra-las já é uma questão da tua vontade.
Esta é apenas mais uma etapa na minha vida, seja boa ou má, posso contá-la mais tarde. Posso pegar no meu gosto pela escrita e transformá-la, ficciona-lá, sei lá romanceá-la.
Sim. Eu vivo para poder ter experiências para contar. Claro que quero construir algo na minha vida, mas sou, ou pelo menos aspiro a ser, um contador de estórias. Sem experiência de vida não tenho nada para contar, sem viver realidades diferentes não tenho nada para comparar.
Peço a todos, os que esperam e desesperam por mim, para terem calma. Eu hei de regressar mais contente com a vida simples, mais motivado com o quotidiano do pára e arranca das filas de trânsito na minha cidade natal. Mas também vos peço deixem-me viver, deixem-me experimentar, não me julguem.
Há muito tempo, noutro blog de outra vida, escrevi "Esta rotina está a dar cabo de mim, a rotina de ser quem sou." Em relação a esta frase alguém comentou:

"Sei o que sentes. Sabes o que é a velocidade de escape? É a velocidade que um corpo tem que atingir para escapar ao centro gravitacional que o amarra a outro. 800km/segundo para o foguetão que quer sair da Terra. E para nós?... Um dia gostava de encontrar a minha. Mas não sei se sou muito boa a equações... E tu?"

Actualmente acho que nós precisamos é de "travões de escape". Se tudo for sempre igual, dia após dia, se as pessoas que conhecemos forem sempre as mesmas, se os sítios por onde passamos forem sempre iguais, mais tarde ou mais cedo escapamo-nos do nosso sentido de viver (velocidade de escape). Adormecemos, estagnamos e pior do que tudo acomodamo-nos ao que temos e deixamos de lhe dar o devido valor e é como se nos desligássemos da nossa vida a uma velocidade incrível.
Aqui, neste lugar L, eu estou a encontrar os meus travões, estou a encontrar argumentos para discutir comigo próprio quando noutras alturas me sentia estagnado. A falta que me faz a normalidade daí, aqui neste lugar L. Mas sem este lugar L, dificilmente sentiria este sentimento.

"Pearls and swine bereft of me
Long and weary my road has been
I was lost in the cities
Alone in the hills
No sorrow or pity for leaving I feel
Friends and liards don't wait for me
I'll get on all by myself
I put millions of miles
Under my heels
And still too close I feel"

sexta-feira, 7 de março de 2008

Um fim de tarde bem passado

Na TPA (Televisão Pública de Angola) começaram a transmitir a Floribella e os Morangos com Açúcar (primeira série).
Como devem de imaginar, os putos andam malucos com isto, e é só vê-los no programa de televisão (Carrossel), apresentado por uma criança de 11 ou 12 anos, a cantar, com sotaque angolano, o “Não tenho Nada” da Floribella, ou lá como se chama a música.
No que toca aos Morangos com Açúcar, os adultos são os principais espectadores da série. Por exemplo no Centro Comercial Belas Shopping é normal, a partir das 17 horas, os homens que saíram do trabalho, principalmente das obras, ainda vestidos de fato-macaco, com capacete e tudo, passarem pela montra da Sistec (a Electro Sacavém cá de Luanda) e pararem, “em grupos de muitos”, a assistir às telenovelas que são transmitidas nas televisões que estão em exposição.
É ver estes homens de barba rija, a comentarem entre eles os casos da telenovela, e a mostrarem-se visivelmente perturbados com o desenrolar dos acontecimentos do programa.

Exclamações como:
-Txi!! Esta dama é lixada!
Ou:
-Mas como é possível, ché não faz isso!
E ainda, em uníssono:
-Uooh! Ele foi apanhado, mereceu!

Pois é meus amigos, divirto-me muito mais a assistir a estas reacções do que a passear pelo Shopping a ver as montras, só tenho pena é de ainda não ter tirado umas fotos.
Ah! Já me esquecia. No cinema também é normal o pessoal que vai assistir aos filmes, levantar-se da cadeira excitado por uma reacção qualquer do protagonista. Ou ouvir o seguinte comentário, passado com uns amigos meus no filme A Invasão (ou lá como se chama aquele da Nicole Kidman e com extra-terrestres):

-Txii esta dama é memo burra, ainda ontem entrou nessa casa e passou mal (esteve em apuros)!

terça-feira, 4 de março de 2008

Normal, tudo normal

- Então Tiago estás bom?
- Eu estou, a Rita é que não. Apanhou malária
- Eh pá! Mas foi ao médico?
- Sim foi. Ia ficando surda por causa da medicação mas mudou-a (porque eu por acaso fiz uma amigo que é o melhor médico deste país, quando estive cá em 2005, que a viu) e pronto já está melhor.
- Então mas os médicos não lhe fizeram análises?
- Sim fizeram, mas estavam mais interessados em interná-la para sacar dinheiro à nossa empresa do que em tratá-la.
- Esses africanos pá. Tchi são mesmo uma loucura!
-Não pá. Este clínica privada é gerida por cubanos e brasileiros. Sabes aquele mito de que os cubanos têm um bom sistema de saúde? Pelos vistos os que vêm trabalhar para Angola nem são muito bons. Mas olha é assim a vida.
- Mas oh Tiago não pareces preocupado?
- Então já viste se eu me preocupasse com coisas pequenas. Tais como: ter um seguro de saúde decente, que afinal este é uma merda, pagarem-me a tempo e horas, ter dinheiro para beber um café pelo menos, ter telemóvel com saldo, fazer menos de uma hora e meia de trânsito para chegar ao trabalho. Se eu me preocupasse com estes promenores já me tinha ido embora.
- Então e agora não tens medo de apanhar malária?
- Eu não. Aliás, nem que o meu figado rebente, vou tomar Mephaquin durante o tempo todo que aqui estiver.
- Espero que as coisas corram melhor daqui para a frente!
- Sim hão de correr. A sério, hei de continuar a não ter água nos escritórios, volta e meia há de faltar luz, quem resolve estes problemas não me há de atender o telefone nem ligar de volta. Mas eu estou tranquilo, aliás aqui isto é tudo normal.
Se os angolanos se preocupassem com estes promenores, coitados. A taxa de suicídio deste país disparava para 90 por cento. Assim, em vez de morrerem de suicídio, morrem de serem tratados em clinicas assustadoras por estrangeiros mal formados. Mas é normal, tudo muito normal.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Até estar doente é normal (parteII)

Isto contado ninguém acredita.

Caros amigos continuo com malária, isso não é novidade, até porque já tinha no passado post. O que me levou a escrever este novo é um simples facto que deve ser acrescentado ao anterior:
A MEDICAÇÃO QUE ME DERAM PODIA TER-ME MATADO OU TIRADO COMPLETAMENTE A MINHA AUDIÇÃO.

Eu explico. No dia seguinte a ter escrito a vocês sobre a minha doença africana, senti-me mal, deixei de ouvir e tive taquicardia. Até aqui já é assustador. Fui a correr ter com um amigo que é doutor numa boa clinica daqui, que depois de analisar-me,faz o seguinte comentário: "PÁRA IMEDIATAMENTE COM A MEDICAÇÃO QUE TE DERAM, ELES SÃO DOIDOS OU QUÊ?!? QUEREM QUE FIQUES SURDA DE VEZ OU TE DÊ UMA COISA QUALQUER? COM QUININO 300MG(MEDICAÇÃO RECEITADA PELOS MALFEITORES) JÁ MUITA GENTE MORREU. ISSO JÁ NEM SE RECEITA A NINGUÉM....."

Sim camaradas estou melhor não se preocupem. Estou já longe de perigo.

Apenas queria partilhar com vocês o quanto tenho vontade de esganar aqueles filhos de uma grande pu..... que por acaso só me iam matando.

Como é bom estar em África..... Quer dizer eu até gosto (chamem-me de louca), mas a viver isto se calhar já não gosto tanto. Não me apetece voltar para casa num caixão.

Não há nada como ter bom humor.

sábado, 1 de março de 2008

Até estar doente é normal

Este post não está a ser escrito com muita alegria. Eu explico. Estou com malária.... Não é grave, não é contagioso e é normal nos países como Angola. Consiste numa indisposição, que para nós comuns europeus não passa de uma dorzita de barriga, que vai aumentando até aos vomitos e febres. Ok é nesta altura que o melhor é ir ao hospital. Foi o que fiz. O problema é que fiquei lá internada.
Colocaram-me numa maca e espetaram-me agulhas em todas as veias livres. "Bom", dizia eu, "mas eu só vim aqui por causa de uma dorzita de barriga, não é preciso isto tudo". Pois é meus caros foi preciso isso tudo e muito mais.
Fui levada de cadeira de rodas para o meu quarto, aí já achei que era demais, se calhar não estava mesmo bem ups, se calhar até era grave.
Ok recapitulando, eu estava num país africano, sem familia e numa cadeira de rodas.....PÂNICO.
Epá esta coisa de brincar aos repórteres desbravando caminhos insípidos foi giro, mas agora já não tem piada.
Depois de uma noite passada num hospital, que por sinal até não era mal, onde a língua que se falava era a do país de Fidel ou Raul (como queiram), lá consegui sair.
Levei comigo um saco cheio de comprimidos e uma palmadinha nas costas com a simpática melodia "é só malária é normal". É normal o caralh.....
Bom agora estou em casa, doente e doi-me o corpo.

Sinto-me como nos filmes onde o protagonista se encontra doente num país de terceiro mundo, quase a morrer e longe de todos...... mas o herói consegue sempre vencer e, por isso, salva-se. Enfim, isto já sou eu a delirar. Afinal "é só malária é normal".